Tuesday, January 31, 2006

SABEDORIA DE UM ANARQUISTA

Achei este texto em um recorte de jornal, oriundo de O Globo, guardado há muito em meu armário. Podemos claramente identificar a época em que foi escrito após sua leitura. É um texto do Sr. Leandro Konder, reflete exatamente algo que penso todos os dias, qual a razão de tanta desigualdade, tanto desfavorecimento de muitos em favor de poucos, seja poder, dinheiro, oportunidades, o que for, não há razão para essa diferença num mundo em que a natureza foi evoluindo calcando-se no equilíbrio, mesmo que precário, do funcionamento das coisas.

Difícil é pensar em uma sociedade como essa, sem injustiça. Digo difícil não pelo fato em si ou por falta de imaginação. Mas sim pelo simples fato do ser humano ser o único que busca se destruir, o único que não vive em harmonia com seu ambiente e que muito do que faz prejudica o funcionamento das outras coisas e dos seres ao seu redor.

Uma coisa é certa porém : enquanto os líderes forem os menos preparados, os mais gananciosos, os que só buscam o enriquecimento ilícito e a execução de seus anseios, sua "agenda oculta", as coisas continuarão muito ruins.

A vida política é vista como uma oportunidade de enriquecimento rápido e sem esforço. Talvez os cargos públicos não deveriam ser remunerados, exercidos talvez por grupos, por pessoas capacitadas, para o bem de todos inclusive deles próprios. O secretário de obras seria um grupo de engenheiros civis. Soa justo.

Posso estar louco mas acho que tal idéia de cargo sem remuneração passou pelas cabeças de Rousseau e Robespierre, este último quando notou que para "limpar o governo" teria que decepar quase a todos, foi tido como louco e acabou sendo decepado ele mesmo pelos que queria decepar.



SABEDORIA DE UM ANARQUISTA

Alberto, o anarquista, está chegando, exuberante, cheio de saúde, aos 80 anos de idade. Os amigos querem homenageá-lo numa grande festa, porém o sapateiro não quer saber de badalação alguma.

- Não posso correr o risco de ser promovido por antigüidade a cidadão respeitável - argumenta. - Se a gente se descuida, acabam nos chamando de probo, de impoluto, de varão de Plutarco e outros nomes hediondos.

Quando lhe perguntam qual é o segredo de sua saúde, o anarquista brinca:

- É o trabalho.

E, diante da surpresa do interlocutor, faz a ressalva:

- Eu trabalho por conta própria, todos os dias, mas nunca trabalho demais. Uma jornada de quatro horas na minha oficina é mais do que suficiente para a minha subsistência. Gente que trabalha muito para ganhar muito dinheiro envelhece depressa.

Uma vizinha gorda, amiga de Bartoloméia, indaga:

- Como você faz, Alberto, para se manter em forma? Faz dieta? Faz ginástica?

O velhinho enxuto responde:

- Faço uma ginástica quotidiana involuntária, para sobreviver.

E esclarece:

- Como não tenho carro (sequer sei dirigir), tento viajar de ônibus. Mas os motoristas enxergam de longe minha cabeleira branca, pensam que eu vou entrar sem pagar pela porta da frente e, cumprindo ordens dos patrões, passam correndo, sem parar.
Insisto em fazer sinal, exibindo na mão uma nota de um real, quero ser um passageiro pagante, me ponho na frente do veículo, porém o motorista, enraivecido, procura me atropelar. Sou obrigado a dar saltos atléticos para escapar. Essa é a minha ginástica.

O porteiro do prédio quer saber se o ancião irreverente ainda consome bebidas alcoólicas. Albeto desconversa, sorri, o outro insiste e ele afinal admite que bebe cerveja moderadamente. Em ocasiões especiais um bom whisky ou uma cachacinha esperta.

- E às vezes o filósofo Carlos Nelson Coutinho, meu amigo, que conhece a minha maledicência, tenta me subornar, me trazendo uma garrafa de vinho italiano, para que eu não fale mal do corcundinha Gramsci.

Outra amiga do sapateiro, a historiadora Margarida de Souza Neves, se mostra curiosa a respeito da juventude espiritual do sapateiro:

- Há algum pensamento que, na sua experiência, pode ter contribuído para retardar o seu envelhecimento?

Alberto olha com doçura para a amiga, que ele tem a esperança de atrair para os ideais ácratas:

- Há sim, Guida. Existe um pensamento que bloqueia a velhice: ser sempre contra o governo.

Todos, atentos, ouvem a explicação:

- Quem toma posição a favor do governo - qualquer governo! - mais cedo ou mais tarde se decepciona. E não há nada que envelheça tanto como as decepções. Se você sabe que todo governo é problemático, é deficiente, é solerte, você não tem ilusão e, por conseguinte, também não sofre desilusão.

Outro participante da conversa - o psicanalista Carlos Plastino - pergunta porque todo governo deve ser considerado ruim. Não heveria certo exagero, certa unilateralidade, nessa posição?

Alberto pondera:

- O simples fato de existir um governo é ao mesmo tempo a evidência e a legitimação de uma desigualdade humanamente injustificável: a desigualdade entre uns poucos que têm o privilégio de governar e os muitos que são obrigados a ser governados. É por se basear nessa diferença injusta que todo governo é, em princípio, ruim.

Plastino, sem disposição para polêmicas, limita-e a observar:

- Alguns governos, entretanto, são bem piores que outros...

E Alberto, rindo, conclui:

- Sem dúvida! Há governos medíocres, governos ruins, governos péssimos, governos abomináveis e governos tipo FH, quer dizer, Fornique-se a Humanidade !

A Dívida

Com vocês a invejável objetividade do Sr. Elio Gaspari.


O companheiro R$ 1.000.000.000.000,00

Dentro de algumas semanas a dívida pública trará uma novidade amarga para o cotidiano de Pindorama, o mau trilhão. Falta pouco para que chegue lá.

Para ser ter uma idéia da força desse número, há um trilhão de segundos (31,5 mil anos) os bípedes ainda estavam na Idade da Pedra Lascada. Quando a ekipekonômica conduzir o país à Idade do Trilhão a dívida per capita do brasileiro estará em R$ 5.392,00 (15,4 salários mínimos, dos novos).

Lula deveria organizar um grande evento, o Pró-Juros, um encontro dos sábios que desde 1994 arruínam o país. Para que ninguém acuse Nosso Guia de fazer campanha eleitoral, ele dividiria o triunfo com FFHH.

Pedro Malan e Antonio Palocci seriam os mestres-sala de um seminário com todos os presidentes e diretores do Banco Central (inclusive, numa linda alegoria, os que estão aninhados na banca privada). Viria também a bateria do FMI: Stanley Fischer (hoje Citicorp), Teresa Ter-Minassian e Anne Kruger. Todos propuseram isso e aquilo, sempre invocando a meta suprema da redução da dívida pública.

Quando assumiram a gestão da economia nacional ela equivalia a 28% do PIB. Atualmente passa dos 50%. Pelas contas que apresentaram em 1996, deveria estar abaixo dos 25%.
Dívida não é algo que nasce no gramado do Alvorada, como tiririca e estrela petista. Se ela não baixou isso se deve a inúmeros fatores.

Um deles seria a falta de reformas. Quais? Fizeram duas na Previdência, mas é preciso que se faça uma terceira. Mais a 123 reforma tributária. A ekipekonômica pratica uma espécie de trotskismo positivista. Sustenta a necessidade de uma revolução permanente para que suas idéias possam dar resultados. Se a revolução parar, o capitalismo se acaba. Se os resultados prometidos não apareceram, faltou ardor revolucionário.

A lorota da falta de reformas esconde o oportunismo, a má qualidade e a má gestão das propostas dos sábios. A radicalização de uma proposta errada potencializa o fracasso. A inibição de uma proposta certa drena o sucesso.

Por exemplo: quando Oswaldo Cruz obteve do presidente Rodrigues Alves o apoio para sanear o Rio de Janeiro, seu radicalismo acabou com a febre amarela. Se a vacina obrigatória parasse na rua do Ouvidor, a febre estaria aí até hoje. Uma idéia certa, radicalizada, gera acertos radicais.
Outro exemplo: em 1982, um curioso perguntou ao almirante japonês Minoru Genda se admitia ter cometido um erro ao planejar o ataque à base naval americana de Pearl Harbour, em 1941. Ele disse que não. Erro foi não seguir completamente o seu plano, que previa um novo ataque, desta vez aos porta-aviões que estavam em algum lugar do Pacífico. Não lhe ocorria que o Japão poderia atacar a frota americana 212 vezes e, ainda assim, perderia a guerra. O erro esteve no ataque, não na sua extensão. Genda morreu em 1989 certo de que fez tudo direito. Como direitos estiveram os doutores do populismo cambial tucano e estará o delírio dos juros de Lula, Palocci, Henrique Meirelles e Afonso Beviláqua.

Como a ekipekonômica gosta de brincar com números, aqui vai uma sugestão: quando a dívida chegar a um trilhão poderão dizer que esse número representa uma fração desprezível do Gugol.
(O Gugol é o 1, seguido de 100 zeros. Foi inventado por um garoto de nove anos. Todas as partículas do universo conhecido, somadas a todas as realizações proclamadas por Lula, não somam um Gugol.)