Tuesday, September 27, 2005

VAIDADE

Artigo do Sr. Leandro Konder, filósofo, publicado no jornalO Globo”. Não me lembro a data, porém acho que facilmente será identificada a época em que foi publicado...


VAIDADE

Uma das características mais insidiosamente permanentes nos seres humanos é, com certeza, a vaidade. Já o Eclesiastes, no Antigo Testamento, lamentava: ”Vaidade das vaidades, tudo é vaidade.” Em suas expressões comedidas, razoáveis, ela não deve nos escandalizar e tem desempenhado historicamente um papel que não parece ter sido exclusivamente negativo, já que pode ajudar os indivíduos a superarem as suas limitações.
Na sociedade atual, posta para girar em torno do mercado, a questão se complica: o estímulo à competição desenfreada lança os seres humanos uns contra os outros. E, possuídos por um espírito hipercompetitivo, eles são induzidos a achar (ou pelo menos dizer) que são melhores que os outros.
Passam então, a cultivar, com maior afinco, a vaidade.
Na esfera política, bem como na da produção e difusão da cultura, essa tendência é facilmente perceptível. Os artistas e os intelectuais, com freqüência, assumem atitudes reveladoras de elevados teores de envaidecimento. E os políticos profissionais, em grande parte, empolgados pelo jogo do poder, costumam, também, manifestar altos níveis de vaidade.
Se os observarmos com atenção, notaremos que eles falam muito de si mesmos. Em geral, dão por pressuposta a importância do que estão fazendo, e cobram implicitamente de seus interlocutores que reconheçam seus méritos e confiem no que lhes está sendo dito.
Em suas formas extremas, a vaidade sufoca e destrói quase totalmente o senso autocrítico. Leva, tendencialmente, à subestimação e à desqualificação dos que pensam diferente; e dificulta enormemente uma compreensão sensata e realista da situação e de suas contradições.
Em sua necessidade de alimentar freneticamente sua auto-estima, o vaidoso exacerbado tende sempre a se superestimar e acredita demais nos elogios que lhe fazem. Em contrapartida, atribui aos que divergem dele motivações inevitavelmente burras ou safadas.
Alberto, o sapateiro anarquista, tem comentado com seus fregueses que está lendo um livro interessante sobre a vaidade, um ensaio do veterano historiador e antropólogo italiano Farabuto Mascalzone, pouco conhecido entre nós, mas objeto de grande admiração na sua província natal, a Pogúncia.
Farabuto Mascalzone observou que na Pogúncia a vaidade chegou a tal ponto que foi preciso extinguir o cargo de “vice” (vice-presidente, vice-governador, etc.), porque nenhum cidadão aceitava ocupá-lo, já que se sentiria diminuído. Todos dizem: “É melhor ser o primeiro na menor das aldeias do que ser o segundo na capital.”
Impressionado com o fenômeno, o historiador e antropólogo resolveu criar categorias para avaliar a gravidade e a profundidade dos processos de envaidecimento de seus conterrâneos. Inventou, então, uma unidade inspirada nas comédias de Plauto, da antiga Roma: o “Pequeno Herói de Comédia (PHC), personagem ridículo que, no entanto, se orgulha do seu papel de “herói”, por miúdo que seja. Com essa unidade, o autor conseguiu determinar as dimensões da vaidade de algumas personalidades da Pogúncia.
Verificou que um determinado juiz tinha 3 PHC, que um pintor e um escritor tinham 4 PHC cada um. Apurou que certo senador tinha 5 PHC e chegou a constatar que um ministro de Estado alcançou a marca espetacular de 6 PHC.
Como a vaidade continua crescendo, Mascalzone criou também uma unidade superior, o “Falso Herói de Comédia”, que sequer é um herói verdadeiro (ainda que pequeno), porém finge sê-lo. Essa unidade superior corresponderia a 10 PHC.
Até agora, contudo, em suas pesquisas, o cientista da Pogúncia – segundo informa sorridente o sapateiro Alberto – não descobriu ninguém cuja vaidade se eleve ao nível de um FHC.

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